sexta-feira, 23 de outubro de 2020

Ballet Stagium, 49 anos

Cartaz com a logomarca da companhia.
Cartaz do espetáculo, Os Sonhos, década de 1995.
Cartaz do espetáculo, Dança das Cabeças, 1978.
Cartaz, 1993.
Cartaz da temporada de comemoração dos 15 anos da companhia, 1985.

 Parabéns, Ballet Stagium pela consolidação de sonhos.

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Roosevelt Pimenta (Natal/RN. ? – 27.03.2011): Biografia

Ator, professor e bailarino profissional Roosevelt Pimenta foi na década de 1970 màitre da Academia Maranhense de Ballet.

É considerado um dos principais expoentes da dança e da arte no Rio Grande do Norte.

Foi o fundador do Balé Municipal de Natal, que atualmente leva seu nome e funciona na Fundação Capitania das Artes.

A trajetória de Roosevelt se confunde com a história da dança e da arte em Natal. Apesar de seu nome estar intimamente ligado à dança, Roosevelt Pimenta começou sua carreira artística como ator, trabalhando junto aos dramaturgos Sandoval Wanderley e Jesiel Figueiredo.

Mesmo fazendo aulas de teatro, no entanto, Pimenta não desistiu de se tornar um bailarino e, no início da década de 1960, se matriculou, em Natal em cursos de balé das professoras Edite Vasconcelos, do Balé Municipal do Rio de Janeiro, e Noêmia Ferraz, do Balé Verde Gaio, de Portugal. "As tentativas foram frustradas. As mães das alunas fizeram um abaixo-assinado pedindo para eu ser afastado das aulas."

Roosevelt continuou, então, fazendo teatro e, em 1965, foi a Recife como assistente de direção do pernambucano Clênio Wanderley, que estava dirigindo o espetáculo A Corda. Em Recife, fez o teste para a TV Jornal do Comércio, canal 2 e foi aprovado como primeiro bailarino. No mesmo ano, tornou-se bailarino solista do Grupo de Danças Clássicas Flávia Barros. Com Flávia Barros, Roosevelt Pimenta afirma que se tornou um bailarino de verdade. "Considero Flávia a minha mãe no balé."

Ainda no Recife, trabalhou em circo e em teatro de revista, até se mudar para São Luís do Maranhão, onde foi màitre da Academia Maranhense de Balé. Três anos depois, foi convidado para fazer parte do Balé do Estado de São Paulo.

Em 1974, ao chegar em Natal de férias, foi convidado por Jesiel Figueiredo, Jobel Costa e Olindina Gomes, então Secretária de Educação e Cultura, para fundar o Balé Municipal de Natal. Na aula inaugural, no Teatro Sandoval Wanderley, em março do mesmo ano, o professor Paulo de Tarso Correia de Melo realizou uma palestra tendo como tema "A importância da dança na educação".

Roosevelt Pimenta como diretor artístico, durante 35 anos, do Ballet Municipal coreografou e dirigiu  diversos espetáculos de coreógrafos natalenses e de outros estados, e participou dos principais festivais de dança do Brasil.

http://www.tribunadonorte.com.br/noticia/morre-o-fundador-do-bale-municipal/179376

http://www.correiodatarde.com.br/editorias/cultura-24916

Imagem: Divulgação.

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Clyde Morgan

Outro mestre da dança moderna que esteve na nossa terra em 1980, a convite da Fundação Cultural do Maranhão, foi o bailarino norte-americano Clyde Morgan, ministrando a oficina de Dança Afro, por sinal uma oficina que quebrou paradigmas. Clyde Morgan na ocasião fez uma apresentação solo do seu trabalho no Teatro Arthur Azevedo.
Abaixo uma pequena biografia do mestre.

Clyde Morgan Alafiju, nasceu em Cincinnati, Ohio/EUA. Na Casa Karamu Theater iniciou a sua formação em dança, vindo a ser graduado pela Cleveland State University. Fez cursos aperfeiçoamento na Bennington College e com os mestre da dança americana Merce Cunningham, Dança New Group, Robert Joffrey, Sanasardo Paulo e o Ballet Russe de Monte Carlo Studios.

Considera como seus principais mestres José Limon e Babatunde Olatunji, vindo a ser solista das suas companhias de dança. Dançou como solista para as companhias de Maslow Sophie, Nagrin Daniel, Falco Louis, Lang Pearl e Anna Sokolow.

Criou o seu próprio grupo de dança com Carla Maxwell, New York duo, com o qual visitou dançando e pesquisando músicas e danças africanas os países da África Ocidental e Oriental.

Em 1971, chega ao Brasil para ocupar os cargos de Diretor Artístico e Coreógrafo do Grupo de Dança Contemporânea da Universidade Federal da Bahia em Salvador, onde ficou durante os anos de 1971 a 1980. No Brasil coreografou também para o Corpo de Baile do Teatro Guaíra.

Atualmente Clyde Morgan ocupa o cargo de Professor Associado de dança africana e Diretor Artístico do Dança Africana Sankofa e Ensemble Tambor na SUNY College, em Brockport.


Imagem: Artur Ikishima. Clyde Morgan no Parque da Cidade. Salvador/BA.










ROLF GELEWSKI (1930-1988): biografia


O dançarino e coreógrafo alemão Rolf Gelewski, esteve em São Luís do Maranhão no inicio da década de 1980, ministrando uma oficina de dança moderna e espontânea, sob os auspício da Fundação Cultural do Maranhão, na sala de dança do Clube das Mães.
Abaixo uma pequena biografia, deste mestre que veio ampliar o conhecimentos dos bailarinos e dancarinos do estado.

Dançarino e coreógrafo alemão naturalizado brasileiro, fundador da CASA Sri Aurobindo.

Rolf Gelewski nasceu no dia 7 de abril de 1930 em Berlim na Alemanha, onde estudou música, poesia, pintura e dança. Estuda dança criativa com Mary Wigman, Marianne Vogrelsang e na Escola Federal de Dança de Berlim. De 1953 e 1960 foi dançarino solista e professor no Teatro Metropolitano de Berlim. Desde que começou seus estudos em dança, criava suas próprias coreografias as quais eram apresentadas em recitais solísticos.

Em 1960, chega ao Brasil para lecionar na Escola da Dança da Universidade Federal da Bahia, onde lecionou até o ano de 1975. Na escola, além de professor, ocupou os cargos de Diretor da Escola de Dança, Dirigente e Coreógrafo do Grupo de Dança Contemporânea e Chefe do Departamento de Integração e Educação Artística. Como diretor da escola foi decisivo na elaboração e estruturação do primeiro Curso de Dança de nível superior no Brasil. Paralelo ao seu trabalho de professor, coreógrafo e diretor artístico da Escola de Dança da UFBA, realizava recitais solos no Brasil e no Exterior.

Durante o período em que lecionou e dirigiu a Escola de Dança da UFBA, Rolf elaborou vários métodos didáticos, ensaios, contribuições teóricas e publicadas voltadas para o ensino da dança, que foram publicados pela UFBA. No período de 1970 e 1971 trabalhou como professor convidado em algumas universidades norte-americanas. No Brasil ministrou variados cursos promovendo experiências artísticas na vertente da dança espontânea para jovens artistas numa época em que pouco se falava de dança moderna no país.

No período de 1967 a 1971, fez várias tournées nas Filipinas e Índia a convite do Instituto Goethe, durante uma dessas viagens (1968) teve contato com a comunidade espiritual Sri Aurobindo Ashram e a Mãe, na índia do Sul, que o impulsionou a fundar em 1971, no Brasil a CASA Sri Aurobindo de caráter cultural, filosófico e de desenvolvimento espiritual, atualmente sediada em Belo Horizonte/MG, que publica e divulga o acervo de propostas educacionais em dança escritas por Rolf Gelewski.

Rolf faleceu aos 58 anos de um acidente automobilístico no dia 8 de janeiro de 1988, na cidade de Feira de Santana/BA.

Fonte: Passos, Juliana Cunha. Rolf Gelewski e suas contribuições para a formação e criação da dança no Brasil. 2010.

Véras, Karin Maria. Dança Espontânea: o corpo poético de Rolf Gelewski e sua contribuição para o ensino da dança no Brasil.

Imagem: Divulgação.

Regina Maura: biografia

É bailarina formada pela Escola de Dança do Teatro Municipal do Rio de Janeiro e pelo Royal Academy of London.
Regina Maura Berardinelli de Albuquerque Sá é uma das construtoras da dança clássica na cidade de São Luís, na década de 1970, quando foi maitre de ballet, coreógrafa, figurinista e diretora da escola de dança do Culbe das Mães, ao lado de Regina Telles e Inês Stel. Encenando espetáculos memoráveis no Teatro Arthur Azevedo, entre eles O Guarany protagonizado por Regina Telles (Ceci) e Ivan Telles como Peri e grande elenco.

Regina Maura como bailarina já dançou os balés Les Sylphides, O Quebra-Nozes, Coppélia, Giselle, Dom Quixote, As Quatro Estações e O Lago dos Cisnes. As óperas: Lo Schiavo, Carmem, Fausto, O Guarani, entre outras. Ao longo de sua carreira coreografou inúmeros ballet´s.

Atualmente vive em Brasília, desde 1975, onde mantém o Studio Regina Maura.

Imagem: Divulgação,

 

terça-feira, 15 de novembro de 2011

Ballet Staguim e o Maranhão

A História da Dança no estado Maranhão é escrita como o antes e o depois de Reynaldo Faray, porém ela pode ser reescrita incluindo os nomes de Regina Telles e do Ballet Staguim  de São Paulo como dois íncones que contribuiram, na década de 1970, para um novo pensar sobre o corpo e a forma de se expressar em dança. 
Bailarina de formação clássica Regina Telles, no ínicio da década de 1970, funda e cria nas dependências do Ginásio Costa Rodrigues o grupo Chamató com o objetivo de  pesquizar danças populares. Por esse período as danças, festas e folguedos realizadas pela população pobre eram vistas como "coisa de pretos" e muitas das vezes lascivas e como "bocas de confusão", portanto proíbidas de serem apresentadas nas áreas que ia da Praça Deodora à Praia Grande. Nas escolas durante as Festas Juninas dançava-se quadrilha ou coco, não se falava em bumba-meu-boi ou tambor de crioula. Mais isso são outros quatrocentos, pois o interesse é falar da contribuição do Ballet Stagium para a dança do estado, e sobre Regina Telles falaremos em outra ocasião.
Fundado em 1971, por Décio Otero e Márika Gidali o Ballet Staguim tornou-se um divisor de águas da história da dança nacional do século 20, segundo a crítica e historiadora de dança Helena Katz.
 O Ballet Stagium revolucionou meio mundo de gente com sua estética de dançar brasileira e pelas andanças pelo país, dançando em palcos italianos, arenas, ruas, caminhões, balsas e no Xingu.
Todos os anos aportava na nossa cidade, apresentando composições do repertório, coreografias novas, cuja estética sempre acrescentava algo novo quanto a concepção do desenho coreográfico, da iluminação, da cenografia, do figurino, da pesquisa temática, gestual e de movimentos. 
Com a filosofia de divulgar e popularizar a dança no país a companhia antes das apresentações, realizava aquecimento, exercícios e treinamento corporal diante do público, que passava a ter uma dimensão do fazer do bailarino antes de entrar em cena.  Minutos depois o público ávido pelas perfomances do grupo esperava ansiosamente o teatro ser preenchido pela sonoplastia do número a ser apresentado e a entrada dos bailarinos gradativamente ou em grupo conforme o desenho coreográfico proposto por Décio Otero e/ou coreografo convidado.
 Cada récita do Staguim, no palco do Teatro Arthur Azevedo era esperada como o "maná que cai do céu". Como esquecer o rebolico e  "OH!" e "AAH" da platéia durante a apresentação de Danças da Cabeça e de Holoucausto; da falta de ar em Kuarup e Heleno de Freitas; da alegria, do alívio e da satisfação com Missa dos Quilombos, Valsas e Seresta, Elis... 
 A estética stagiana reoxigenou a cabeça, o corpo e a mente não só do público leigo que lotava o teatro para assistir as coroegrafias do Ballet Stagium, mas dos coreografos e bailarinos e diretores de grupos de teatro que passaram a repensar suas estéticas.
 Passa a surgir novos grupos de dança com propostas na linha da dança moderna e contemporânea, pesquisando linguagem corporal e temática que tenham a ver com o homem maranhense.
 Reynaldo Faray cria e monta Maré Memória, Nordestinados, Maria do Portinho, espetáculo de dança com tema e causas bem maranhense e de São Luís.
 Regina Telles na extinta Escola Técnica Federal do Maranhão, hoje IFMA, realiza pesquisa corporais permeadas com dança populares maranhenses com alunos da escola, paralelo ao trabalho que vem desenvolvento junto ao grupo Laborarte, com o departamento de dança . Posteriormente junto com Lobato, José Inácio e Rosa Almeida criam o Grupo Corpo Chama, que vem a ser o núcleo de fundação da Associação Maranhense de Dança na década de 1980.
 As sementes plantas em Upaon-Açu, faz germinar uma série de grupos de dança na linguagem da dança moderna e contemporânea. A Fundação Cultural do Maranhão promover cursos e oficinas de dança com mestres como o alemão Rolf Gelewski (Dança Moderna - Mary Wigman), o norte-americano Clayde Morgan (Afro), a paulista Jutilde Medeiros (Dança Moderna - Martha Graham), entre outros, na época era Regina Telles chefe do Departamento de Dança da Fundação Cultural. 
 Na metade dos anos 1980, voltam para São Luís as maranhenses Julia Emília (Dança Moderna) e Míriam Marques (Ballet Clássico) que vão dar um novo impulso ao jeito de se fazer dança no Estado. Ambas montam suas Academias e seus grupos coreográficos.
 As bailarinas Olinda Saul, Solange Costa, Clara Pinto, entre outras, oriundas do Ballet Reynaldo Faray, criam suas academias de ballet por todo o estado. A cidade passa a respirar outros ares de dança.
Regina Telles monta a sua academia que vai apresentar coreografias com estética totalmente maranhense.
 O Ballet Staguim nestes 40 anos de história portanto cumpriu com sua filosofia de divulgar, popularizar e conceituar a dança com o gestual brasileiro.
Em outros rinções deste Brasil conseguiu consolidar a profissionalização do bailarino, coisa que não conseguimos nesta ilha do amor.
 Este é apenas um dos capitulos do muito que se tem a escrever sobre a dança neste estado.
Não podemos deixar de registrar, as aulas ministradas para bailarinos locais, durante a sua permanencia na cidade onde estavam se apresentando.  
Décio Otero e Márika Gidali com seus faros para descobrir talentos, sempre durante a tourné pelo país descobria um ou dois telentos pelas cidades onde passavam e os selecionavam para estudar na academia do grupo e fazer parte do seu elenco oficial como bailarino. 
Nestas terras da cultura brasileira descobriram Edson Mondego, Olinda Saul, Anete Leite e Hélio Martins.
 
 

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Júlia Emília e o Teatrodança por Fernando Abreu - matéria de jornal

 Texto publicado no jornal O Estado do Maranhão pelo poeta e jornalista Fernando Abreu sobre o processo criativo da bailarina e coreógrafa Júlia Emília e o Teatrodança.

Popular, erudito e radical

Foi em meio à concepção do espetáculo Bicho Solto Buriti Bravo que a coreógrafa maranhense Júlia Emília viu pela primeira vez os poemas de cordel de Ferreira Gullar, que esperavam por ela numa livraria carioca, num dia qualquer do ano de 1998. Mal terminou a leitura, já estava ligando para a editora e, num golpe de sorte, conseguindo o contato do autor. Sem conhecê-la e pouco dado a tietagens, o poeta crivou a conterrânea de perguntas antes de recebê-la para um café no famoso apartamento da Rua Duvivier, já ciente de que se tratava de coisa séria. Gullar leu rapidamente o texto e, depois de destacar, bem-humorado, as qualidades poéticas da história do boizinho que nunca passou de uma vaca, aceitou com naturalidade o convite para escrever os versos de cordel com que Júlia Emília sonhava. Era um sábado. No domingo, a surpresa: “está pronto, moça. Pode vir buscar seus versos”.

Com poemas de Ferreira Gullar e música de Zeca Baleiro (que acabava de gravar seu primeiro disco, Por Onde Andará Stephen Fray), o espetáculo estreou e ficou cerca de um ano em cartaz no Rio de Janeiro, com um elenco de alta rotatividade formado pelos alunos das muitas oficinas que Júlia ministrava na cidade. Havia um núcleo profissional, formado pelas também maranhenses Juliana Manhães, Joana Araújo e Ana Neusa Araújo, que estudavam no Rio de Janeiro. Montado pouco mais de uma década após sua fundação, Buriti Solto Buriti Bravo marca o encontro do Teatrodança com as raízes da cultura popular, proposta que o grupo vem aprofundando desde então.

No momento, a trupe se dedica à construção de uma inusitada ponte ocidente/oriente juntando, de um lado, as matrizes do wushu (artes orientais tradicionais) praticado no Centro Ozaka, e de outro, a capoeira Angola do Projeto Criação. A pesquisa, do qual resultará a montagem, envolve a consultoria de duas autoridades, o professor José Ribamar Martins, do Centro de Cultura Oriental Ozaka, e o mestre de Capoeira Sérgio Costa. Cabe aos dois a tarefa de assegurar que a essência das duas linguagens estará presente no resultado final, que afinal é uma terceira coisa, sem deixar de ser fiel nem aos chikuns do wushu nem aos passos da capoeira Angola. “A ideia é que quem veja o espetáculo não enxergue mais nem um nem outro, embora ambos estejam lá”, explica a diretora do Teatrodança, entregando a chave para a compreensão da aventura estética do grupo.

O desafio é sempre transformar a essência, seja da capoeira, da arte marcial ou do hip hop, em uma dramaturgia que se utiliza de um corpo, que por sua vez se utiliza de uma expressão popular.

O projeto atual envolve, além dos dois mestres, um casal de interpretes em cena: Wanderson Fábio, 19, no wushu desde os sete, e Thayliana Leite (20), no Teatrodança há seis anos e capoeirista com formação no Criação desde os 10. Além da coreógrafa como coordenadora da pesquisa, a ambientação cênica de Ângela Silveira, com seus ikebanas e mandalas transplantados para cenografia e figurinos; Dante Assunção e Marcos Caldas são responsáveis pela produção de imagens e trilhas sonoras, e assim por diante, em um leque que se abre no ritmo do crescimento da pesquisa, abrangendo áreas como música, literatura e artes plásticas. Gente que vai chegando, percebendo a proposta e se integrando a ela.

O caráter inclusivo é um traço distintivo do grupo, em um universo normalmente exclusivista e especializado com é o da dança. Foi assim em montagens como Sagração Coureira, Espirais e Alma Nova, todas resultantes de projetos de pesquisa voltados para a elaboração de uma dramaturgia com base em matrizes de expressão popular. Como não existe dramaturgia sem uma sólida base teórica, e como Júlia Emília, jamais pretendeu escamotear sua base erudita sob a capa de um populismo postiço, é importante esclarecer que a arte popular sempre fez parte da vida da artista que, como ela mesma conta, “sempre teve um pé na sapatilha, outro no terreiro”. Isso apesar da origem elitista que revela já no nome composto, tão ao gosto das famílias tradicionais da bucólica São Luís de sua infância.

Tudo começou quando a mãe, Edmar Bastos Ferreira da Silva, senhora da sociedade entre tantas de sua época, mas com outros interesses além de chás beneficientes, fundou junto com um grupo de amigas a escola de balé do Clube das Mães, primeira escola de dança de São Luís, onde a filha daria início à sua formação acadêmica, aos 5 anos. Acontece que, nascida e criada na Rua Cândido Ribeiro, Júlia sentia, como num romance de Josué Montello, a atração irresistível dos tambores que rufavam na Casa de Nagô, na Casa das Minas e no Boi da Madre Deus. O Tambor de Crioula dançava no Mercado Central, bem perto da Rua das Barraquinhas, onde morava sua avó. “Eu fugia de casa e ia ver tudo isso, para escândalo da família”. A mãe nem tanto, mas a irmã mais velha considerava um absurdo aquele envolvimento com coisa de preto pobre. Júlia Emília seguia os tambores, surda às recriminações, mas nem por isso livre de tutus e pliés.

Foi com esse ânimo que desembarcou no Rio de Janeiro em meados da década de 1970, decidida a encontrar uma saída fora do balé clássico, apesar de estar ali oficialmente para dar següencia à sua formação. Por indicação da professora Moema Correa, foi parar na Escola de Klauss e Angel Vianna, revolucionários do ensino da dança no Brasil, os primeiros a incluir anatomia e capoeira na grade curricular da Escola de Dança da Universidade Federal da Bahia, onde lecionaram. Júlia contou sua história e virou bolsista, com o compromisso de fazer aula de segunda a sábado. Foi lá que, aos poucos começou a pôr pra fora, nas improvisações e composições, as imagens que alimentavam seu imaginário. “Não foi nada fácil, porque eu trabalhava com a cultura popular e, ao mesmo tempo, com o que havia de mais avançado em dança no Brasil”, lembra. Essas tentativas de fusão, no entanto, só iriam se tornar cena concreta, justamente no Bicho Solto.

Antes disso, porém, um fato seria determinante para a radicalidade da proposta do Teatrodança. Em 1990, a então professora de balé moderno decide, para estupefação geral, fechar as portas de uma das mais concorridas escolas de dança da capital maranhense. Estupefação, mas não revolta. Fato é que, apesar do prestígio, ou mesmo por conta dele, a escola de Júlia Emília era especialista no acolhimento de outsiders mirins no gracioso mundo da dança acadêmica. Meninas hiperativas, nervosas, gordinhas, falantes, pulantes, desajeitadas, e mesmo as que seriam hoje classificadas como “portadoras de necessidades especiais” encontravam ali o seu espaço. Em resumo, era uma escola anticonvencional dentro de um universo convencional. Quando a professora atingiu seu limite de paciência para o ensino acadêmico, os pais, mesmo se sentindo órfãos, sentiram-se, antes de tudo, gratos. Apesar de definitiva, a ruptura se deu sem maiores traumas.

Um descobrimento do ponto de vista pessoal

Era preciso conhecer melhor a matéria com a qual iria trabalhar dali em diante com exclusividade, tarefa que equivalia a um descobrimento do Brasil de vista pessoal. Nos seis meses que se seguiram ao fechamento da escola, Júlia Emília entregou-se a uma peregrinação de âmbito nacional buscando ampliar sua visão das manifestações populares, num percurso que a levou a estados como Mato Grosso, Amazonas, Santa Catarina e Minas Gerais, entre outros. Munida de franciscana simplicidade, além de dezenas de caderninhos de anotações (uma mania assumida) e uma prosaica câmera fotográfica (estamos no mundo pré-digital), Júlia abordava as comunidades e centros culturais. Ganhava casa, comida e roupa lavada, mas também cozinhava, limpava, ajudava como podia. O circuito começou em casa, quando ainda não eram comuns imersões culturais em locais como Maracanã, Vila Ivar Saldanha, Vila Passos, Belira, Coroadinho, Codozinho, Liberdade e Floresta. Tornou-se figura carimbada da programação do Centro de Cultura Popular, que trazia os grupos do interior do estado. Como não tinha gravador nem filmadora, tudo dependia da observação atenta.

Apesar de carente de uma metodologia, digamos, científica, a travessia de Júlia Emília, além do pretendido alargamento de visão, lhe possibilitou dar um sentido ao conhecimento acadêmico acumulado. Começou a repassar desde técnicas de respiração, postura, colocação e equilíbrio até orientações sobre alimentação, combatendo, por exemplo, a artrose que afligia muito dos integrantes dos grupos, devido à idade avançada. A partir daí passou a ser contratada por organismos como Funac, Unicef, Secretarias de Educação do Estado e do Município, conciliando essas atividades com o trabalho voluntário do grupo, ele próprio integrado por jovens em sua maioria protagonistas de uma história de superação que, por sua vez, passavam a repartir com suas comunidades o conhecimento construído no Teatrodança.

Foi assim na ilhinha, com Alex Costa, ensinando balé para turmas lotadas. Foi assim na Cidade Olímpica, com as irmãs Joelma e Eline Cunha, e na Vila Luizão, com Andréa Sousa. A partir daí, todos os projetos montados pelo grupo tem como alvo um local da periferia de São Luís, onde encontra um público geralmente ávido não apenas por comida, mas por diversão e arte, como no Maiobão, na Vila Kiola ou no Miritiua, sede atual do grupo. Cada vez mais evidente, a atuação pedagógica do grupo vive em simbiose com sua proposta estética, como gêmeos siameses. Uma pedagogia que tem como norte a investigação que é a alma do Teatrodança.

Fernando Abreu

Jornalista e poeta, autor de aliado involuntário (Exodus,2011)

Fonte: O Estado do Maranhão. Alternativo. 25.08.2011. pg. 01
Imagem: Divulgação Jornal do Brasil